Cumprindo o que prometera, Sepé voltou à colônia
Para a fraterna conversa, avistou-se com Antônia
E percebeu que a pupila asserenou o coração.
Já não trazia na alma aquela grande aflição,
Mas permanecia o pleito quanto à futura existência:
Queria voltar à Terra sem as provas da opulência.
O cacique indagou-lhe: Qual a razão do pedido?
E a resposta de Siá Tonha revelou o seu olvido
- Quero cuidar dos famintos, dos que vivem na pobreza,
Sem referir-se às lembranças das agruras da riqueza.
Assim a bênção divina, com o véu do esquecimento,
Permitia àquela alma continuar seu crescimento.
A figurinha pequena, em estado de oração
Olhava o seu benfeitor, aguardando orientação.
Nem de longe recordava a dama tão orgulhosa
Que a ambição desmedida fizera bem desditosa
Agora era a benzedeira de bondade conhecida
Que ali lembrava saudosa da sua última vida
Pensou em Dona Mariana, amiga de toda a hora
Devia estar solitária depois que ela veio embora
O pensamento voou e uma lágrima rolou
Sentia muito a saudade do tempo que se passou
Como queria voltar ao ranchinho da estância!
Sepé recolheu o anseio e deu sua concordância
Siá Tonha experimentou a força do pensamento
Diante da sua choupana ficou naquele momento.
O mato tinha crescido, tomando conta de tudo
Entre o terreiro e o casebre o pasto formava escudo
No meio daquele caos. nem podia acreditar
Mas sim, era o coronel, gemendo a esbravejar
Com o tempo no além-túmulo aprendeu a discernir
Quem é vivo e quem morreu, condição para servir
E o Coronel Hilário já se encontrara com a morte
Mas porque aquela alma tivera essa estranha sorte?
No meio do matagal, em tamanho sofrimento
Será que tinha ficado, dos seus, no esquecimento?
Procurou o seu rosário que trazia sempre a mão
E logo se decidiu a mudar aquela cena pela força da oração
A reza de Siá Tonha diminuía o sofrimento,
E as dores de Hilário entraram em abrandamento
Antes de ser recolhido pela falange do bem
Visualizou a entidade que o auxiliava, também
Em busca de Mariana, SiáTonha foi à fazenda
Continuava como antes aquela grande vivenda
Pressentia que a senhora dela estava precisando
Percorrendo a casa grande de tudo foi recordando
O movimento da estância não era como o de outrora
Havia um grande silêncio – Será que foram embora?
Estava assim a pensar quando uma força a imantou
Atraindo-a para um cômodo que ela de pronto adentrou
Estava Dona Mariana, em momento derradeiro
Viu que o palor da morte a tomava por inteiro,
Mas a dama percebeu sua leal confidente
E esboçando um sorriso balbuciou a doente:
- Esperava por você, já preparei a partida
Nada mais me prende aqui. Estou cansada da vida
O Tempo passou depressa, fazia já quinze anos
Com a morte de Hilário, os filhos fizeram planos
Foram morar no exterior, arrendaram sua herdade
Mariana ficou sozinha, mergulhada na saudade
Agora estava liberta, faria a grande viagem
Muitas ações meritórias levava em sua bagagem
Assim Siá Tonha iniciou uma nova caminhada
No mundo espiritual ajustou uma longa estada
Aos cuidados de Sepé, passaram-se muitas luas
No trabalho devotado aos excluídos das ruas
Socorria o infortúnio nas mais sombrias vielas
Tornou-se bem conhecida nos barracos de favelas.
A velhinha e o cacique! O povo assim referia
E Antônia pouco a pouco outros pagos conhecia
Na equipe socorrista chegou as grandes cidades
Viu a extensão da miséria, da doença, da orfandade
Assistiu chegar ao mundo um monstro devastador
Era a droga que trazia o seu cortejo de dor
Também em meio à riqueza a servidora trilhou
Atendendo muitas almas que o orgulho fulminou
Recolheu muitas ruínas do cruel materialismo
E amparou muitas vítimas com as chagas do sensualismo
Mas também esteve ao lado da riqueza enobrecida
Conheceu muitas pessoas que ao bem doavam a vida
Era o tranquilo regato correndo em busca do mar
Mas o progresso é uma lei e chegou sem mais tardar,
De ajudar mais os que sofrem Siá Tonha sentiu vontade
Se nascesse afortunada, faria mais caridade!
Quantas escolas, asilos, creches e até hospitais
Era o tranquilo regato formando seus mananciais.
A dor campeia na Terra e carece de anjos bons
Ela prossegue na senda, multiplicando seus dons
Você que passa na rua, olhe para os invisíveis
Ao vê-los talvez surpreenda a presença intraduzível
De uma mulher pequenina com um brilho sem igual
Testemunhando o valor da caridade moral.